A Cor da Maré, exposição dentro dos
pavilhões do Centro de Artes da Maré, é alegre, de paleta variada, que oferece
ao olhar de quem vê o trabalho de Chico Moreira. Ex-morador de lá, ele usa
fotos dos anos 1970 para, com pirografia e acrílico sobre couro, redesenhar as
paisagens daquela região do Rio. E não é um a região de cartão postal. Mesmo assim,
lá tem sido um espaço que, aos poucos, ganha evidência.
No Centro de Artes da Maré tem,
contados, 55 vasos de flores. Tem também uma incipiente biblioteca, um cine
clube que funciona às segundas, uma escola de dança, além da sede da Lia
Rodrigues Cia de Dança. Ontem, quando estivemos por lá para a exibição do vídeo
Fora de Campo, antecedendo à série de entregas de dança que serão feitas pelo
projeto Dança Contemporânea em Domicílio na sexta-feira, encontramos alunos da
escola, profissionais que trabalham no lugar, alguns integrantes do Redes, que
aciona cidadania e inclusão com diferentes projetos. Tudo dependente de
projeto, de financiamento. Se paga aluguel pelos dois barracões. Ainda.
Provavelmente por muito tempo.
Assim, levar o vídeo e fazer
entregas naquela região é pra lá de significativo. Inauguram-se olhares,
provam-se possibilidades, estabelecem-se deslocamentos. Afinal, uma das
questões fundamentais do trabalho de Cláudia Müller é a busca de diálogo, o
contato com o público fora do sistema estabelecido das artes, a complementação
da obra por aquele que a vê, reorganização da obra enquanto é executada, o esgarçamento
dos limites entre as formas de fazer arte, a revisão desses conceitos de arte.
Para além dos desafios de
trabalho lá, que vão desde a poluição sonora, olfativa e visual, trabalhar na
Maré, por outro lado, uma afirmação de vontades, uma crença no efeito que essa
ação possa ter na vida dos 200 estudantes que passam por lá dia e noite. Assim,
a Dança Contemporânea em Domicílio entra na maré do fortalecimento do gesto
criativo, na contundência de ações específicas, pontuais, que reverberam, que
se processam antes de acontecer e depois que aquilo foi mostrado, que a visita
se deu.
Depois da primeira visita
à Maré, na subida pra casam entro no Cine Santa para ver Tropicália, de Marcelo
Machado, e me deparo com aquela inquietação toda do movimento, com as cores e a
ousadia tropicalista com sua ação fractal, que começou pela música e chegou ao
cinema e às artes. Ou vice-versa-vice. Então, pensando em Lygia Clark, que
aparece muito rapidamente no filme, e no Oiticica, que discursa sobre o que é e
o que não é arte, exulto no escurinho da sala: as coisas fazem sentido! Lá longe,
Avenida Brasil adentro, e aqui mesmo. Estamos na maré de reafirmações: da importância
de transgredir, da pertinência de transformar, da imperiosa necessidade de nos
(re)organizarmos para fazer nossas danças terem sentido. E que o sentido delas
nos surpreenda pela potencialidade de suas ações.
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