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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Que fazer?

O texto que segue é do escritor Leonardo Marona, que recebeu uma entrega quarta-feira à tarde, ali na Travessa do Ouvidor. Tão especial quando belezas e botas! 
 
 
"Entes pequenos, o que lhes falta para compreender? Ora, sabem os senhores, sabem que sem o inglês a humanidade ainda pode viver, sem a Alemanha pode, sem o homem russo é possível demais, sem a ciência pode, sem o pão pode, só não pode sem a beleza, porque nada mais restaria a fazer no mundo! Todo segredo está aí, toda toda a história está aí! A própria ciência não sobreviveria um minuto sem a beleza (...), ela se converteria em banalidade, não inventaria um prego!" (Os Demônios, Fiódor Dostoievski)
 
Talvez a última grande questão dos últimos dois séculos tenha sido: o que vale mais, Shakespeare ou um par de botas? É um questionamento que nos joga de cara numa parede sólida de dúvidas e contradições. Uma vez também disseram: "sem Pushkin pode-se passar, sem botas, não há como". O problema, me parece, é que os que estão famintos (nos mais múltiplos sentidos) não sabem o que fazer, enquanto que os que sabem o que fazer estão gordos (geralmente, em poucos, mas catastróficos sentidos) e bem alimentados, portanto não se mexem.
 
É plausível que alguém esteja agora pensando: "Mas que diabo isso tem a ver com dança contemporânea?" Posso responder, tudo, mas quase nada. Explico-me:
 
Ontem, no meio do trabalho, recebi um presente. Não era uma gravata, uma caixa de bombom, não era, como dizer, um presente comum, comumente mortificante, que recebemos cotidianamente e que nos lembram que a vida é comum o tempo todo e que vamos morrer. Porque, por melhor que seja receber uma gravata ou mesmo uma caixa de bombom, isso, no fim das contas, te lembra que tu vais morrer. Bom, o presente foi uma peça de dança no meio de oitenta mil livros, no meio do público de uma livraria, e para mim especialmente. E, acima de tudo isso, ou seja, acima da beleza disso, há na minha frente alguém que dança para mim e ao mesmo tempo me explica politicamente a batalha de quem está na minha frente dançando para mim. Nisso, voltamos duplamente à primeira questão: da beleza e das botas.
 
Precisamos comer, usar botas, mesmo um artista (sic), mas acima de tudo um artista, que é quem nos traz a beleza que torna possível suportar o mundo, este, mais do que qualquer outro, precisa comer, usar botas.
 
Ontem voltei e repousei feito uma pluma sobre a velha questão. Não resolvi a questão, como jamais talvez alguém resolverá. Mas pude ver o problema dentro dele, agraciado por ele de uma certa forma, porque era a arte que me falava.

Um comentário:

  1. que texto lindo, parabens pela escrita e pela alegria viva e política da dança que recebestes.
    um abraço,

    Micheline Torres

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